O ser humano é gerado a partir de conexões intimas, começando com a sopro inicial que lhe dá a existência. Crescemos não somente a partir de uma relação sexual, mas também no afeto das relações com os nossos pais, criando, na interação com eles e com a sociedade, a nossa visão de mundo e os alicerces da nossa identidade.
Somos seres sociais por natureza, embrulhados numa troca complexa de emoções e interações. Temos uma aparente incapacidade de realizar terapia a nós próprios e isto pode ser entendido através da lente da nossa natureza social.
O nervo vago, que é essa ligação invisível que une a mente e o corpo, é ativado plenamente, e apenas na presença dos outros. É na partilha, no olhar e no toque, que o nervo vago se ativa, estabelecendo-se como contentor vital da terapia eficaz. Tentar percorrer o caminho terapêutico sem ajuda, pode ser frustrante, assim como remar contra a maré. E Uma vez mais, voltamos a repetir o padrão do trauma infantil, por não usarmos a nossa maior fonte de autocompaixão e cura, que nasce precisamente da relação com os outros.
Muitas vezes, a origem deste conflito interno reside na nossa infância, onde os pais, talvez ocupados com as muitas questões da vida, não puderam ou não souberam oferecer-nos o apoio necessário. Assumimos então o papel de heróis solitários, tentando aliviar os pesos que não deveríamos ter de carregar sozinhos. Por vezes, o medo de perturbar ou o desejo de proteger os nossos pais, está na origem da nossa relutância em pedir ajuda.
A dificuldade em receber também pode ser uma ferida que remonta à nossa infância. Se não aprendemos a receber na origem, carregamos esta lacuna connosco, às vezes sentindo que não merecemos ser ajuda ou amados. Uma autocrítica implacável pode tornar-se o narrador silencioso da nossa história, cobrando-nos com a culpa por procurarmos o que, no fundo, todos merecemos.
No caminho para a cura, podemos reconstruir as fundações, oferecendo a nós mesmos uma segunda infância. Ao reconhecer a importância das ligações afetivas, da partilha e da aceitação, construímos uma nova narrativa. Empoderamo-nos para desatar os nós emocionais, reconhecendo que merecemos cuidado, compaixão e cura. Descobrimos então que a vulnerabilidade é uma expressão de força e abrimos as portas para uma caminhada interna de autenticidade e aceitação.
Ao desfazer os nós do passado, libertamos espaço para uma segunda infância, onde o amor-próprio cresce e a terapia torna-se um acto de empoderamento, guiado pela esperança de que, afinal, merecemos ser cuidados, por nós próprios e pelos outros.
Pedro Abranches, Psicoterapeuta Transpessoal