Ao olharmos para a complexidade da nossa existência, muitas vezes esquecemos que carregamos não apenas as nossas histórias individuais, mas também as narrativas das gerações que nos precederam. Este fenómeno fascinante, conhecido como transgeracionalidade, revela-se através de padrões de comportamento, traumas e até mesmo nas escolhas alimentares, como ilustrado pelos intrigantes estudos com ratos.
Numa experiência intrigante, ratinhos foram alimentados num canto específico da gaiola. O que se revelou surpreendente foi que, mesmo quando os filhotes não conheciam os hábitos alimentares dos pais, dirigiam-se instintivamente ao mesmo local para comer. Mais impressionante ainda, os netos desses ratinhos, que nunca conheceram os avós, repetiam o mesmo comportamento, indicando uma transmissão de hábitos para além da experiência direta.
Esta peculiaridade não está limitada ao reino animal. Nós, seres humanos, também somos portadores de uma herança invisível. Olhando para as gerações passadas, encontramos avós que enfrentaram fomes, guerras mundiais, pandemias, e tragédias pessoais que deixaram cicatrizes nas estruturas familiares. Subitamente, percebemos que carregamos não apenas a carga genética, mas também traumas que não são exatamente nossos, mas que moldaram indiretamente a nossa existência.
Este mecanismo, embora enraizado na sobrevivência, pode tornar-se um obstáculo à nossa vida atual. No passado, os nossos familiares construíram defesas, armaduras psicológicas realmente necessárias para enfrentar o trauma. Hoje, contudo, vivemos em tempos de paz, e essas armaduras tornam-se, muitas vezes, um fardo desnecessário.
Posso dar o exemplo da Maria (nome fictício), que aos trinta e poucos anos carregava uma ansiedade inexplicável sobre questões de saúde. Ao investigar a árvore genealógica, descobriu que a bisavó materna enfrentou uma doença muito grave. A família, mantendo este segredo, inadvertidamente transmitiu a preocupação e o medo ao longo das gerações.
Percebendo a origem transgeracional da sua ansiedade, A Maria procurou a Psicoterapia Transpessoal para desmantelar estes padrões emocionais. Ao compreender e enfrentar estes medos, enraizados no seu passado geracional, iniciou um caminho de cura, libertando-se das sombras do passado para viver de uma forma mais plena o presente.
Assim como alguém que precisa abandonar a sua armadura de guerra, que foi vital para a sobrevivência, a fim de trabalhar a terra em tempos de paz, também nós devemos aprender a encerrar as batalhas e libertar as armaduras emocionais que já não nos servem. Este desafio vai além de uma mera metáfora; representa a essência de uma transformação interna que nos liberta das amarras do passado.
Pedro Abranches, Psicoterapeuta Transpessoal