Na complexidade da existência, a anomia revela-se como a desconexão da própria identidade. Anomia significa desconhecer a própria identidade.
Na prática, identificamo-nos como pai porque nossos filhos assim nos definem, como amigo pelas palavras que nos chegam dos outros, e até como inteligente ou não, conforme a opinião geral daqueles que nos rodeiam.
Na vastidão da solidão, quando estamos em casa por longos períodos, surge a questão: Quem sou eu? Compreende agora o sentimento de falta de pertença que possa existir em si? Em contexto terapêutico, encontro pessoas que, embora aparentem ter uma vida perfeita, às vezes enfrentam desafios tão intensos que consideram até tomar medidas extremas, como pôr termo à vida. É então que lhes faço a seguinte pergunta: por que razão ainda não pôs termo à sua vida? A resposta surge através da defesa do próprio cliente, e é ao articular esta defesa que, habitualmente, emerge espontaneamente o propósito desta pessoa, seja pela responsabilidade para com os filhos, o desejo de fazer a diferença, a ambição de explorar Marte ou outra razão qualquer que o motive.
Mas se pelo contrário nos questionarmos “por que diabo faço eu o que faço todos os dias e para quê??” Esta é geralmente a questão que nos deprime e o ponto de partida para os nossos sentimentos negativos. Às vezes não são as respostas que nos abatem, mas antes as perguntas erradas que colocamos a nós mesmos.
Por vezes, perseguir a felicidade torna-se um caminho que nos conduz à depressão. Na minha opinião a felicidade deve ser vista como algo que resulta de fazermos o que está certo: cuidarmos da nossa casa, cumprirmos as nossas responsabilidades, mantermos amizades, reservarmos algum tempo para nós mesmos, termos um parceiro, definirmos objetivos a médio e longo prazo, entre outros. A felicidade surge então como um efeito secundário e espontâneo das coisas básicas e humanas que estão alinhadas. Não devemos perseguir diretamente a felicidade uma vez que esta ideia abre espaço à depressão e falta de sentido.
E o dinheiro tem a sua importância? Conforme expressa a frase “É preferível chorar em Paris do que nas favelas”, e isto é compreensível, claro No entanto, ao centrarmos a nossa vida no dinheiro e na acumulação de bens, logo que esta possibilidade nos for vedada ou assim que o cansaço se instalar, possivelmente surgirão a depressão ou as ideias suicidas.
À semelhança das nossas vidas, A maré enche, recua e então surgem as rochas. Seria tão lógico dizer que a culpa é da rocha por estar ali. É da mesma forma que, quando a nossa alma não está cheia, começam a surgir os recifes. Estes são os sintomas da falta de propósito.
E o ser humano é como a corda de uma viola. Se estiver demasiado solta, a corda não toca. Demasiado apertada, corre o risco de partir. A corda tem que estar na tensão certa. O mesmo acontece connosco Somos ancestralmente seres de perseguição e caçadores de búfalos. Lançamos as nossas lanças com o objetivo de conquistar, mas se não as afiarmos para a próxima caçada, enfrentamos um beco sem saída. O nosso propósito é, no fundo, criar objetivos, e em seguida renascer para novos objetivos e assim sucessivamente. Foi isto que ancestralmente assegurou a sobrevivência da nossa humanidade, e, portanto, se não o fizermos agora, corremos o risco de encontrar a “morte”.
Se estamos à procura de significado devemos primeiro compreender que a realidade parece não ter sentido. De repente morre um amigo e a seguir, ganho o Euromilhões; depois, sofro um acidente e parto uma perna, enfim… Qual é o sentido das estrelas no céu? A realidade parece-nos louca e absurda, e ela é absurda, provavelmente, porque não a compreendemos. E qual é o melhor antídoto para todo este absurdo? A resposta é: criarmos um sentido para nós.
Num universo de caos, criar um sentido é um acto de rebeldia. Este tende para entorpia, mas nós, seres ínfimos mas vivos e conscientes, ousamos desafiar o universo ao criar um sentido para as nossas vidas. Temos esta capacidade à qual chamamos livre arbítrio. Um animal, por exemplo, é apenas um animal e vive a sua vida conforme as circunstâncias e instintos próprios. Nós, seres humanos, não. Podemos e talvez devamos fazer escolhas nas nossas vidas e até decidirmos quem queremos na realidade ser.
Pedro Abranches, Psicoterapeuta Transpessoal